Pode ser estranho, diferente, mas é meu.

Há tempos eu gostaria de ter um espaço onde eu pudesse escrever reflexões sobre sociedade, sobre música, sobre história. Desde que as redes sociais se tornaram donas dos nossos espaços de partilhas digitais, percebo que mudamos e nos moldamos à forma de comunicação delas.

Com isso a gente perde. Eu sei que eu perco muito da minha capacidade de dissertar, de refletir. Absorvemos o que nos é direcionado. Reforçamos nossas crenças e nos cercamos dos iguais perdendo a capacidade de lidar com as diferenças e aos poucos construímos nosso muro. Temos a certeza de que estamos no caminho ideológico certo, e burro é quem não entende tudo o que eu sei.

Eu vim da comunicação, há tempos atrás vendi minha alma pra publicidade, mas fui embora logo, antes de ser tarde demais. Num tempo onde convencer alguém a ter a necessidade de algo era difícil e custava caro. Para achar o público para um determinado produto, pagava-se uma pesquisa que direcionava determinada campanha. Hoje a gente fornece tudo. Tudo mesmo. O que somos, o que gostaríamos de ser. O que temos medo de ser. As máquinas sabem das nossas tendências do dia dia, dos momentos certos para sermos consumidos e o ponto certo onde vamos consumir. Já não estamos no controle e vamos nos afastar do comando do nosso tempo cada vez mais.

Mas esse espaço aqui é sobre música, sobre pesquisa, sobre história das músicas e das pessoas que fazem e fizeram ela acontecer.

Então, aqui vai um reflexão sobre música – Eu, nos dias de hoje, nunca tive tanta certeza de estar no caminho certo. Nunca estive tão orgulhoso de ter demandado tanto tempo da minha vida estudando, tocando, ensinando. Me deixa confiante pensar no futuro.
Mas justo agora que máquinas fazem trilha sonora, que robôs são artistas fakes no Spotify, que números de likes importam mais que o desejo artístico de quem faz música. Agora que as portas do caos se abrem eu meu sinto assim?

Sim.

Toda a vez que eu subo meus sons nas plataformas digitais para elas serem lançadas, vem aquele momento de preencher um formulário que temos que associar a nossa música com a de artistas semelhantes. Todas as vezes eu travo nessa parte. Fico procurando os discos de artistas instrumentais que podem ser semelhantes e acabo escolhendo, mas nunca tenho certeza se as associações estão fazendo sentido. E é bom deixar claro que isso aqui que eu escrevo não tem nada haver com ter ou não influências ou inspirações musicais. Ai eu tenho muitas, talvez infinitas. Mas com quem eu me pareço? Ou, – eu quis parecer com alguém? Eu já ouvi algumas vezes pessoas me dizendo que o legal da minha música é que ela se parece comigo. Estou no meu caminho, não de outra pessoa. E isso pode ser estranho, diferente, mas é meu. 

O momento hoje é o do que impressiona logo. O momento do tempo rápido, da informação rápida. Da música que é boa de ser ver, mas não de ouvir. Das pessoas que tocam violão fingerstyle e mostram tudo o que sabem num vídeo de 1 minuto. Dos professores de música online que vendem os cursos que criam o passo a passo em como tocar bem em pouco tempo. O caminho tem que ser curto e sem demora….
Não –  música leva tempo, o caminho não é linear, os processos não são rápidos e se você quer realmente entender música, vai precisar se aprofundar, desligar o seu celular enquanto estuda e vivenciar isso. Vai ficar feliz quando conseguir evoluir e frustado quando perceber que ainda não está onde achou que estaria. Mas se uma coisa tão linda e complexa quanto a música não for dessa forma, o que seria da vida, então? O que a gente constrói que é bonito pra nós que não leva tempo? 

Nascemos pra criar. A IA não vai construir um texto que já não tenha sido feito por alguém, assim como ela jamais vai criar uma música inovadora, por que ela depende de ser alimentada por esses dados. A arte e nossa autenticidade é subjetiva e não exata. Os moldes estão prontos. Sinto que as músicas da mega indústria são cada vez mais extremamente parecidas. 

Essa mega indústria fonográfica já utiliza máquinas pra fazer seus temas. Os músicos absorvem conteúdos semelhantes em suas redes, que buscam moldar a sua forma de consumir conteúdo. Nesse caso, os músicos consomem e são consumidos por suas redes e começam, ao invés de buscar o seu próprio som, a buscarem como soar como aquele outro músico. 

O público cada vez mais ouve a música direcionada pelas redes e pela IA. 

O que será que vai acontecer quando elas se acostumarem tanto a padrões repetitivos e formatados? Tenho a impressão de que elas não vão conseguir ouvir algo que esteja fora do padrão que elas esperavam. Elas vão se acostumar tanto com a forma única de se fazer música que lhes foi enxertada que o diferente não será aceito. 

Eu penso que na arte ainda temos chances. Eu sou um professor de música que atua também como músico. E eu fico feliz em nunca impor uma frase minha numa improvisação de um aluno. Quando eu sugiro que alguém faça um arranjo, eu posso dar caminhos, mas nunca fecho eles. A escolha é de quem cria. Não existe a nota certa. Não existe o único jeito. A hora é de fazer o que queremos, de falar estranho, de escrever diferente, de sair do óbvio.  Se a gente perder nossa autenticidade em fazer arte –  o mundo vai ficar de fato, um lugar muito sem graça.

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